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A herança maldita das armas químicas 

  Na tarde de 22 de abril de 1915, o exército alemão espalhou o gás cloro em um front de batalha perto da cidade de Ypres, na Bélgica. A nuvem desse gás matou mais de mil soldados franceses e feriu mais de 4 mil deles. Esse acontecimento marcou para sempre a história das armas químicas nos conflitos mundiais. Segundo a especialista em armas químicas da INTERTOX, Camilla Colasso, no início da Primeira Guerra Mundial, países como França, Inglaterra e Alemanha já investigavam e testavam diversas armas químicas. Dessa

forma, os campos de batalha se tornaram laboratórios a céu aberto para esse tipo de composto.

  As armas de guerra química são substâncias cujas propriedades tóxicas são utilizadas com a finalidade de matar, ferir ou incapacitar algum inimigo na guerra ou em operações militares. Foi a partir da Primeira Guerra Mundial, que ganharam a conotação de armas de destruição em massa, pois, devido à industrialização, puderam ser produzidas em grandes quantidades e ser amplamente utilizadas.

Teste de máscaras para a proteção contra armas químicas na I GM

  A utilização do cloro em campos de batalha foi ideia do Prof. Walter Nernst junto à colegas. Mas o conceito de criar nuvem de gás tóxico foi creditado a Fritz Haber, do Instituto de Física de Berlim, em 1914.

  O gás cloro era abundante na indústria alemã, e por isso foi utilizado. A nuvem desse gás derrotaria combatentes inimigos sem a utilização de explosivos em uma área muito

mais ampla do que os ataques de artilharia.

  “A mudança mais estupenda na guerra desde que a pólvora foi inventada, chegou e veio para ficar. Ninguém parece ter percebido o grande perigo que os ameaçava, ninguém se sentiu desconfortável, os efeitos terríveis do gás vieram até nós como uma grande surpresa”, relata um soldado britânico. (SMART, 1997). 

Ataque com gás cloro a um campo de batalha na I GM

     Em 1899, a Conferência Internacional da Paz, em Haia, já havia promovido um acordo mundial, que declarava ilegal o uso de projéteis com gases venenosos. No entanto, o desenvolvimento de novos agentes de guerra continuou.

  A chamada “Guerra Total” significou a utilização de todos os recursos de um estado nesse conflito, incluindo as armas químicas. Segundo o Doutor em estudos de Guerra, Paulo Wrobel, a Alemanha foi o país que mais produziu armas químicas e o primeiro a se aproveitar do Gás Mostarda.

 Tal composto é considerado o pior de todos os gases produzidos naquela época.

     “O gás mostarda recebeu a denominação de “Rei dos Gases” na I GM, devido à eficácia dos ataques nos combates e aos danos provocados à saúde humana. Além de afetar o sistema respiratório, tem a capacidade de causar lesões em partes do corpo não protegidas. Assim, este tipo de agente não somente seria tóxico através da inalação como também através da pele. O gás mostarda foi o responsável por 70% das vítimas de armas químicas durante a guerra.”, comenta Camilla Colasso.

Mortes causadas por gás mostarda na I GM

 

  Segundo o Doutor em estudos de Guerra, Paulo Wrobel, as armas químicas não eram tão letais no período da Primeira Guerra. Os compostos eram mais fracos e elementos como vento dispersavam os gases. Essas armas foram responsáveis por 5% das mortes na primeira guerra.

  “Porém, o uso de armas químicas na Primeira Guerra foi muito influente para se criar uma série de normas internacionais, como o Protocolo de Genebra.”, aponta o especialista.

   O protocolo de Genebra, desenvolvido em 1925, proibia o uso de gases venenosos e 

bacteriológicos. Apesar do clamor contra o uso dessas armas, diversos países possuem arsenal de agentes químicos. Além disso, há uma grande facilidade na fabricação dos mesmos.

   “Depois da Primeira Guerra, o mundo não parou de utilizar gases venenosos. Pelo contrário, o processo de produção dessas armas foi evoluindo e hoje em dia elas são muito mais destrutivas.”, diz Paulo. 

Em 1935, a Itália fascista usou compostos químicos para invadir a Etiópia. Na década de 60, os EUA se utilizaram do agente laranja contra o Vietnã. 

Ataque italiano a Etiópia

     Segundo a INTERTOX, durante a guerra do Vietnã (1960 e 1975) os EUA lançaram mais de 75 milhões de litros do agente laranja nas florestas vietnamitas. O que provocou um extenso desmatamento e desequilíbrio ecológico, afetando fauna e flora da região.

     O agente laranja é um composto persistente ao meio ambiente, permanecendo 

por anos no solo e em sedimentos, interferindo na cadeia alimentar de animais que se nutrem da vegetação contaminada.

     O composto permanece no meio ambiente após 40 anos do final da guerra. Diversas regiões do Vietnã como Da Nang, Phu Cat e Bien Hoa, ainda estão contaminadas com elevados níveis desse composto. 

Ataque americano com agente laranja as florestas vietnamitas

   O caso da síria é um clássico de uso de armas químicas nos últimos anos. A síria já havia usado várias vezes e usou contra os curdos em 2013.”, lembra Paulo Wrobel.

   Em agosto de 2013, o gás Sarín matou mais de 1,4 mil pessoas nos subúrbios de Damasco. O Ocidente culpou o governo de Bashar Al Assad, atual presidente sírio, pelo acontecido.

 

 

   O gás Sarín é uma das mais mortais dentre as armas químicas de guerra. O composto atua nos brônquios, coração, pupilas dos olhos, glândulas salivares, lacrimais e sudoríparas e podem resultar em sinais de edema pulmonar, bradicardia, miose, lacrimejamento e sudorese.

 

Civis sírios vítimas do gás Sarín em 2013

   “O caso atual da Síria toca em vários aspectos. Um país que realmente possuía armas químicas e fez uso delas em pleno século XXI. A tentativa dos EUA de frear esse massacre com uma ameaça militar. E depois que a Síria matou milhares de pessoas, os Estados Unidos não invadiram o país. A Rússia mediou um acordo entre as nações, o que foi muito melhor do que o uso da violência.”, explica Paulo.

   Em maio de 1997, foi criada a Organização para a Proibição de armas químicas. A OPAQ tem sede em Haia, na

Holanda, e seu objetivo é proibir o desenvolvimento, produção, estocagem e emprego de armas químicas, bem como o uso de gases tóxicos e métodos biológicos em guerra. A exceção é a utilização de gás lacrimogêneo para conter revoltas e tumultos, medida considerada pacificadora.

   Atualmente, 188 estados são signatários da OPAQ, 5 estados não signatários (Angola, Egito, Coréia do Norte, Somália e Síria) e 2 estados não ratificaram a Convenção (Israel e Mianmar). No entanto, a fabricação desses agentes não pode ser totalmente proibida, pois alguns têm potencial uso industrial.

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