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A imprensa brasileira em tempo de guerra

Sem internet, televisão ou rádio, o primeiro conflito armado mundial chega ao Brasil por meio dos jornais impressos

     Jornal do Brasil, 20 de julho de 1914: pela primeira vez, uma manchete aparece com destaque na capa de um jornal brasileiro. A chamada “O attentado de Sarajevo – novas informações” é publicada, ocupando o lugar que até então era preenchido por charges. A Primeira Guerra Mundial foi mudando gradativamente a configuração gráfica do jornal e substituindo anúncios da primeira página por notícias. Com a eclosão do conflito, a noção de manchete é modificada, os 

títulos se repetem por dias, a tipografia é caótica. Muitas vezes, a estratégia utilizada era uma sucessão de títulos de diferentes padronagens que resumiam a notícia. E a ortografia era outra, quase ilegível.    

     No início da Primeira Grande Guerra, a imprensa mantinha uma postura de neutralidade, ocupando-se apenas de problemas internos, sem dar muita importância ao conflito mundial. Os jornais, até então, contavam com a colaboração de diplomatas no exterior para publicar as notícias. Posteriormente, os impressos passam a utilizar os serviços das agências internacionais.

     A cobertura de guerra pela imprensa brasileira representou o fim das notícias cotidianas e de um estilo típico do século XIX. O tom literário e exagerado presente nos relatos dos fatos corriqueiros - o atraso do bonde, um incidente no trânsito, ou o calor excessivo que castigava as grandes cidades - passou a ser substituído por eventos de maior magnitude, como, por exemplo, o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando. O estopim da Primeira Guerra foi tratado pelos jornais brasileiros como uma tragédia familiar.

     Na edição do Jornal do Brasil, do dia 28 de julho, é publicada uma matéria de duas páginas com ilustrações dos soldados do exército austríaco:

A Austria e a Servia. Não haverá hostilidades? A attitude das potencias – O esforço das chancellarias – Exercitos europeus – Historia das duas Triplices – Alvitres e Solicitações – A Intervenção do Summo Pontífice.

     Nesse mesmo dia, há uma segunda edição para anunciar, logo na primeira página da seção “Telegrammas", o conflito Austro-Sérvio, com as seguintes manchetes:

A attitude da Itália. A Allemanha não aceitou a proposta de Sir Edward Grey. A concentração da esquadra allemã. O Sr Reichnau teria sido assassinado? A attitude da Rússia. Póde considerar-se fracassada a mediação. Os sérvios marcham para a guerra.

     A partir de então, a prática da segunda edição passa a ser constante durante os meses de julho e agosto. A edição vespertina lançada diariamente pelo “Jornal do Brasil” é quase toda composta de notícias de guerra, que ocupavam a primeira página, no lugar dos anúncios. Tem-se, portanto, a guerra virando manchete.

     Nesse momento, a Primeira Guerra divide espaços nobres no jornal, apesar de não ganhar manchetes todos os dias. Segundo o mestre em relações internacionais pela PUC-Rio e autor do livro “A Primeira Guerra Mundial e a Imprensa Brasileira”, Sidney Garambone, esse fato pode ser explicado por dois motivos:

     - Em primeiro lugar, o mundo nunca havia assistido uma guerra dessa magnitude, então não havia parâmetros para medir a sua importância, nem o espaço dedicado a mesma nos jornais. E, em segundo lugar, a imprensa acreditava que era mais importante dar destaque a fatos locais do que a movimentação de exércitos distantes.

     A expressão “A Europa em guerra” é usada pela primeira vez no “Jornal do Brasil”, no dia 2 de agosto. Na página sete, o até então “O conflicto Austro-Sérvio” é substituído pelo título “A Europa em Guerra”.

     Na página nove, na seção “Telegrammas", encontramos a manchete: “Consequencias do conflicto Austro-Sérvio. Declaração de guerra da Allemanha à Russia. O tratado da Tríplice Alliança não obriga a Itália a intervir. A mobilisação do Exército francez. Várias notícias”. A segunda edição traz como destaque: “A Europa em guerra. As tropas allemães concentram-se na fronteira franceza. Os russos atacaram os allemães”.

Jornais brasileiros entram na guerra

     Outros jornais da época, entre eles, “Gazeta de Notícias”, “Correio da Manhã”, “Jornal do Comércio” e “O Paiz” também foram importantes ao cobrir o primeiro grande conflito mundial, ao lado do “Jornal do Brasil”.

     No “Correio da Manhã”, até o dia 26 de julho, o conflito Áustria e Sérvia estava na terceira página. No dia 27, o assunto foi para a primeira página, com destaque. E, no dia 28, com a declaração de guerra, a matéria passa a ocupar toda a primeira página do jornal.

     “O Paiz" divulga, em 29 de julho, no lado direito da primeira página: “Austria e Sérvia. A declaração de guerra. O fracasso da mediação. Esquadras que se movem. A mobilização européia”. Em letras menores: “Commentários sobre a nota da Sérvia – A attitude dos socialistas – O que é que se diz nas grandes capitaes – Desmente-se a tomada de Belgrado – O trigo e a guerra”. 

     No dia seguinte, o mesmo título: “Austria e Sérvia. Os primeiros combates travados em frente a Belgrado. O governo de Vienna rejeita em absoluto a mediação. O imperador Francisco José publica manifesto notificando a declaração da guerra - A Áustria observa o Montenegro - Declaração do Sr. Edward Grey sobre a localização do conflicto - A França e a Allemanha conservam-se em espectativa calma - Outras notícias”. 

     No dia 2 de agosto, uma grande manchete na primeira página do jornal “O Paiz": “Uma grande catástrophe. A Europa conflagrada. A Allemanha declara guerra à Russia”. Embaixo, uma grande ilustração da esquadra alemã de 1914. 

     A eclosão da guerra faz com que os periódicos comecem a ficar parecidos com os jornais atuais. As matérias aparecem com pequenas chamadas na primeira página e o número de fotos aumenta consideravelmente. À medida que o conflito avança, os jornais brasileiros se vêem obrigados a cobrir de forma mais cuidadosa e detalhada os acontecimentos. E, com isso, fizeram questão de adotar uma abordagem tão neutra quanto a postura do governo brasileiro, que se recusava a entrar na guerra.

     Havia neutralidade nas páginas e nos gabinetes. Mas não por muito tempo. Crescia o clamor público para que o Brasil tomasse partido. E isso podia ser notado nas cartas dos leitores, como a que foi publicada, em fevereiro de 1917, no “Jornal do Commercio”:

O Brasil precisa, sem demora, pois, agir de acordo com a maioria de seus filhos, que há muito pede e deseja que o Governo tome as medias de rigor e compatíveis, contra os bens dos súditos de um país, que nada respeita e que brevemente prejudicará e menosprezará, mais diretamente ainda, os bens e interesses dos brasileiros. É tempo de acabar-se com a neutralidade exemplar!

     A posição de neutralidade era uma questão de honra para intelectuais, políticos e jornalistas e até para o governo. Nos dois primeiros anos de batalha, não se cogitava a entrada no Brasil na guerra. O país só declara guerra em 26 de outubro de 1917, após a entrada dos EUA, onde lutou ao lado da França e da Inglaterra (a chamada Entente Cordiale) contra a Tríplice Aliança, liderada pela Alemanha e composta pelo Império Austro-Húngaro e a Itália. A participação do Brasil vai até o dia 11 de novembro de 1918.

     A imprensa escrita era a única voz que ecoava a opinião das ruas, ao mesmo tempo em que ajudava a formar essa mesma opinião. A isenção e a tentativa frenética da busca da neutralidade enobreceram a cobertura da Primeira Guerra Mundial.

     “Talvez num dos raros momentos do jornalismo brasileiro, houve notável e louvável isenção da imprensa, que divulgava tanto notícias do lado aliado, quanto notícias das Potências Centrais. Esta linha de conduta, porém e infelizmente, não foi sustentada até o fim das batalhas”, conclui Garambone.

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