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A angústia e a dor na arte

A Primeira Guerra Mundial lançou a base para as grandes vanguardas artísticas do século XX. Surgia, neste momento, tudo aquilo que serviu de fundamento para a cultura que sucedeu o conflito. Segundo a Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Larissa Costard, a Guerra representou uma mudança na concepção da ciência e da tecnologia. Os artistas começaram a criticar o desenvolvimento capitalista como forma de se atingir o progresso, e o uso indiscriminado de tecnologia, na disputa por territórios, passou a ser associado à morte. Surge, pela primeira vez, o retrato da angústia, escondida em um otimismo “falso”, que acabou levando à catástrofe. Nesse contexto, os períodos pré-Guerra, entre Guerras e pós-Guerra foram representados por obras expressionistas, de artistas que buscavam expressar não mais apenas o que podia ser visto, mas também o que era idealizado.

 

Até o século XIX, a população estava muito otimista em relação à modernidade e ao desenvolvimento tecnológico. A realidade era, quase sempre, embelezada pela arte. Para Larissa, a Primeira Guerra foi um marco na forma como as pessoas viam o processo de modernização. Com a utilização em massa da ciência como forma de matança, no entanto, a modernidade passou a ser encarada com outros olhos.

 

- No contexto do capitalismo, todo o uso da ciência era voltado para a morte. Por isso, as pessoas começaram a questionar: Isso é de fato progresso? Os valores burgueses também passam a ser questionados. A própria ideia de civilização é posta abaixo – explica.

 

Ao rejeitar os valores da sociedade burguesa e o conceito tradicional de beleza, o artista expressionista faz de sua arte o reflexo direto do mundo interior. Toda a atenção era dada à expressão, ao modo como a forma e o conteúdo se uniam para dar vazão às sensações do artista no momento da criação. Em 1915, o pintor expressionista Ernst Ludwig Kirchner fez um auto-retrato como soldado, na qual ele se mostra em primeiro plano com a mão decepada, e no fundo uma modelo nua. Era possível identificar nas obras do artista traços do trauma vivido na época do conflito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

- As cores carregadas mostram a mutilação e a violência sofrida durante a Guerra. Nas artes visuais, os artistas abandonam o retrato da realidade e buscam uma subjetividade. Com isso, eles deixam de ser fiéis à forma. As proporções retratadas nas telas têm como objetivo transmitir uma mensagem, e não mais copiar uma realidade. Os expressionistas são os primeiros a fazerem essa quebra – observa a professora.

 

A principal questão trazida pelos expressionistas é retratar o sentimento por trás do período histórico em que viviam. A angústia em relação à modernidade durante a Guerra e a visão de que a ciência não trazia apenas coisas positivas, revolucionou o retrato da realidade nas artes plásticas. Nesse contexto, surge a valorização da subjetividade contra a racionalização científica.

 

 

Ernst Ludwig, auto-retrato

 

Edvard Munch, “O grito”: A primeira tentativa de retratar conflitos internos do século XIX.

 

Os expressionistas também fizeram da arte um instrumento de crítica político-social. Segundo Marcelo Campos, professor de História da Arte do Parque Lage, as figuras eram muitas vezes deformadas para extrair uma visão crua e pessoal da realidade, com ênfase na solidão, na angústia, na dor e nos horrores da Guerra. Dessa forma, o Expressionismo assumiu um caráter social e combativo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

- Havia, obviamente, na realidade, uma ideia da Guerra como destruição e os artistas passaram a questionar a presença da imagem como uma condição realista – conta Campos. 

 

Ainda que os artistas não fizessem parte de nenhum partido político específico, as obras apresentavam uma crítica pesada ao desenvolvimento do capitalismo na Europa. Larissa acredita que, se pensarmos política num sentido mais amplo, nas relações de poder e intervenção na realidade, esses artistas tinham uma crítica política muito forte, já que eles refletem sobre a época em que vivem e produzem em cima disso.

 

- A arte é abstrata porque não retrata a realidade, mas não no sentido de "arte pela arte". Tem uma questão social muito forte nela. Os artistas expressionistas inauguram essa ideia de arte como vanguarda, que pensa sobre o seu tempo e propõe uma sociedade diferente – afirma.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para o artista expressionista, a obra de arte é o reflexo direto do mundo interior e toda atenção é dada à expressão, isto é, ao modo como a forma e o conteúdo se unem para dar vazão as sensações do artista. De acordo com Campos, a captura do espiritual na arte é uma discussão que se vincula a ideia da Primeira Guerra.

 

- Na virada do século XIX para o XX, nós já temos os estudos desse homem que é um sujeito dramático, que sofre e tem a sua subjetividade – conclui. 

 

Van Gogh, “Comedores de Batata”: angústia e subjetividade, o caráter social na arte.

Wassily Kandinsky: a angústia na arte abstrata, relações de formas, sintomas, ritmos e vibrações.

 

Obras expressionistas

A crítica por trás do grafite 

O grafite é uma forma de arte que pode gerar uma reflexão profunda a respeito dos problemas da sociedade moderna. A proposta de trabalho do grafiteiro Paulo Ito colabora para expor as dificuldades enfrentadas pelos brasileiros, em um cenário cercado de desigualdades. Para ele, a função social do artista contemporâneo vai além da exposição de uma imagem que retrata o próprio sentimento.

 

Um dos grafites de Ito, que ganhou destaque na imprensa mundial, mostra uma criança sentada à mesa, chorando de fome, apenas com uma bola de futebol no prato. A imagem enfatiza os contrastes entre os investimentos bilionários para a Copa do Mundo e a miséria na qual parte dos brasileiros vive. Segundo Ito, a inspiração veio de maneira fácil, já que os problemas socioeconômicos do país são muitos.

 

- Não é difícil se revoltar no Brasil, onde poucas coisas funcionam como deveriam - reclama.

 

Para Larissa Costard, o sentimento de um artista deve ser analisado mediante ao momento histórico em que ele vive. Com o avanço da Primeira Guerra Mundial, as vanguardas artísticas surgiram como uma tentativa de expressar esse momento de dor e angústia.

 

- O artista não é mais o técnico que vai retratar a realidade. Ele passa a ser visto como um intelectual que leva as pessoas a refletirem - afirma.

 

 

 

No portão de uma escola em São Paulo, o menino chora ao constatar que em seu prato há apenas uma bola de futebol. A imagem mostra o contraste entre a miséria no Brasil e os gastos com a Copa. 

Paulo Ito garante que grafitar foi a forma que ele encontrou para transformar sentimentos ruins em algo positivo. O artista costumava se sentir impotente ao ver alguma injustiça e com o grafite passou a utilizar a arte para expressar sua insatisfação. Para ele, a rua é o espaço mais acessível e democrático para expor os sentimentos. Foi por isso que a sua obra de crítica à Copa do Mundo foi feita no portão de uma escola em Pompéia, bairro nobre da região paulista.

 

- Em espaços públicos não dependemos de curadorias ou leis de mercado, e atingimos uma gama muito maior de pessoas - conclui.  

Paulo Ito transforma a crítica social em arte. Ele retrata nos desenhos a insatisfação com o mundo atual. 

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