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"Guerra Total": conflito que afeta toda a sociedade

     A Primeira Guerra Mundial deixou cicatrizes profundas em toda a sociedade moderna. Não é à toa que Eric Hobsbawm, um dos maiores historiadores da atualidade, afirma que a guerra marcou o início do  século XX. Até a eclosão da guerra, o mundo ocidental vivia a Belle Époque: empolgação com a modernidade que não a via nem como positiva, nem como negativa. A vida nas cidades europeias era, ao mesmo tempo, trabalho e boemia: de dia, as fábricas funcionavam a todo vapor; à noite, os jovens e intelectuais se reuniam em festas que só acabariam ao nascer do Sol.

     Então veio a guerra. Uma guerra diferente, sem precedentes. Uma guerra que mobilizou a população por completo. Primeiro, porque aconteceu no próprio território europeu, ao contrário dos combates em colônias com que os europeus estavam acostumados até então. Mas também por causa dos investimentos de cada país – embora a indústria bélica sempre tenha movimentado muito dinheiro, a Primeira Grande Guerra (outro nome dado ao conflito mundial) custou, aos civis, suas próprias vidas. Foram quatro anos e vinte milhões de mortos.

Perdas humanas:
  •  1,4 milhão de mortos na França (população total de 39 milhões de habitantes) – 1/3 dos soldados franceses saiu “produtivo” da guerra.

  • 1,7 milhão de mortos na Alemanha (população total de 66 milhões de habitantes)

  • ¼ dos alunos de Oxford e Cambridge com menos de 25 anos morreram em combate

     

"Vai acabar até o Natal"

     A duração da guerra foi totalmente inesperada. Populações e líderes políticos observavam a “valsa” das batalhas – que ora pendiam para um lado, ora para o outro – com perplexidade. De acordo com o professor Vágner Camilo Alves, do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense, os líderes entram em guerra seguindo o moldes da guerra anterior.

     – As últimas guerras na Europa, que eram as guerras de unificação alemã, tinham sido muito rápidas. Em geral, resolvia em uma batalha. A concepção deles era de uma guerra rápida. E não foi – comenta o professor Vágner Camilo Alves, do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.

     As nações entraram confiantes na guerra: todos esperavam um conflito extremamente violento, porém curto. O pesquisador norte-americano Jerry Schmidt, do World War I Museum, explica que, inicialmente, a maioria das pessoas apoiava a guerra – porém, à medida que o tempo foi passando sem perspectivas de vitória, essa realidade mudou.

     – Na Europa, as pessoas se cansaram da guerra bem rapidamente. Cidades e vilarejos nas zonas de guerra eram transformados em entulho pela artilharia; as pessoas tinham que se realocar para evitar suas próprias mortes. Seus filhos estavam morrendo, aos milhares, cada semana. A agricultura foi dizimada, e as pessoas dependiam das outras para fornecer comida.

A racionalização da vida em sociedade

     A escassez dos recursos levou a mudanças na mentalidade da população em guerra. A seriedade tomou conta das cidades que antes eram centros de oportunidade. O propósito de toda a sociedade passou a ser a guerra: as mulheres saíam de casa para trabalhar, substituindo os soldados que iam aos campos de batalha. A produção agrícola precisava dar conta de uma população de antes importava a comida, já que navios de suprimentos tinham acesso impedido pelos inimigos (nos dois lados). Campanhas públicas para doação de metais e alimentos mobilizavam a população. Até nos Estados Unidos, uma das últimas nações a entrar na guerra, a população precisou racionar comida. O pesquisador do World War I Museum Jerry Schmidt conta como as pessoas começaram a repensar seus modos de vida, mantendo a conservação em mente.

 

As trincheiras

     – Pessoas eram ensinadas a se focar em comida através de demonstrações de como cozinhar, enlatar e cultivar comida no jardim. Isso seria especialmente importante em áreas urbanas - áreas rurais já se focavam em ser capazes de se alimentar cultivando e preservando comida para as famílias. O racionamento era voluntário, mas teve efeito, porque o consumo de comida nos EUA diminuiu em 15% – diz Schmidt.

     E as mudanças não acabaram com o fim da guerra. De acordo com Shmidt, muitas características do nosso cotidiano atual começaram na Primeira Guerra Mundial.

     – Cada vez mais mulheres saíram de casa para ganhar salários na economia. Elas tiveram o direito de votar pela primeira vez nos EUA e na Inglaterra. A moda feminina começou a incluir calças compridas pela primeira vez – complementa o pesquisador.

A trégua de Natal

     Por mais triste que fosse a vida em casa, ela era sem dúvida pior nos campos de batalha. As inovações em armamento revolucionaram a guerra. Foi a era das trincheiras, longas escavações no solo onde os soldados viviam durante os combates. Mas elas não se restringiam à linha de frente: trincheiras de apoio, construídas de acordo com as necessidades de cada combate, e trincheiras de reserva também eram construídas. O objetivo era nunca deixar os soldados entrarem no campo de visão do inimigo, que passou a ter artilharia moderna. Soldados usavam periscópios para ver o que acontecia acima do solo, já que levariam tiros se colocassem qualquer parte do corpo acima do nível do chão. Quando os soldados não estavam em serviço, muito provavelmente estavam cuidando da manutenção das trincheiras, o que incluía colocar sacos de areia empilhados para absorver as balas inimigas. 

     As condições de vida nas trincheiras eram a causa da morte de muitos soldados. Como eles viviam ali, estavam sempre expostos ao calor, frio, chuva e neve.

     Para alguns soldados, a guerra durou mesmo até o Natal. Uma história publicada em 1º de janeiro de 1915 nos jornais Norfolk Chronicle e Norwich Gazette traz um trecho de uma carta do Cabo H Scrutton, do Regimento de Essex, aos seus parentes da cidade de Wood Green, no Reino Unido. O Cabo Scrutton conta que, por estarem apenas a 30 ou 40 jardas de distância das trincheiras alemãs, soldados britânicos começaram a conversar com os soldados inimigos. Combinaram, então, de trocar cigarros por queijo – e a troca foi bem sucedida, sem nenhuma vítima. A trégua durou por mais meia hora, aproximadamente, antes que começassem a atirar de novo.

Quando as trincheiras desmontavam por causa do impacto seguido de muitos tiros, podiam soterrar soldados que estivessem nelas. Até quando estavam em segurança, os soldados ainda precisavam lidar com os ratos que eram atraídos pela comida e condições subumanas de higiene, o que atraía piolhos.

     O mesmo acontecia com as enfermeiras que se voluntariavam para ir à guerra. Há relatos de enfermeiras que eram julgadas pelas colegas quando chegavam limpas para atender aos soldados feridos, como se não estivessem se esforçando tanto no trabalho. Mas a realidade é que elas cumpriam horários iguais aos dos soldados, nas trincheiras de apoio, de acordo com o pesquisador do World War I Museum, Jerry Schmidt.

     – Elas iam para a guerra com as habilidades de enfermagem que já tinham e as adaptavam para as necessidades dos soldados que tratavam. Viviam e trabalhavam atrás das linhas de batalha, mas estavam perto o suficiente para, em muitos casos, ouvir o som da artilharia.

Havia muita estratégia na construção das trincheiras. O pesquisador do World War I Museum, Jerry Schmidt, contou alguns fatos sobre elas:

  • As linhas de frente poderiam estar a 100 ou 20 jardas de distância, dependendo de qual era a situação do combate enquanto elas eram construídas e do que o terreno permitia. Algumas eram tão próximas que os soldados conseguiam escutar o inimigo conversando.

  • Embora a linha de trincheira tenha se esticado do Canal Inglês à Suíça - por volta de 450 milhas -, o comprimento geral do sistema de trincheiras na Frente Ocidental era por volta de 35 mil milhas.

  • As trincheiras eram cavadas em padrões de zig-zag para que os tiros inimigos ou bombas de canhão que caíssem na trincheira não matassem todos de uma só vez. O padrão em zig-zag absorveria o choque da explosão e não permitiria que o impacto passasse por toda a extensão da trincheira.

Curiosidades sobre as trincheiras:

Os prisioneiros de guerra

     Quando a Guerra foi declarada, não havia espaços preparados para receber os prisioneiros de guerra – tanto soldados presos em batalha quanto prisioneiros políticos. Embora houvesse acordos pré-guerra para estipular como os prisioneiros deveriam ser tratados, fora dos campos de prisioneiros se ouvia muito sobre crueldade e negligência. Nas tropas alemãs, esse tipo de boato era encorajado, para que os soldados preferissem morrer em combate a ser aprisionados.

     Só nos primeiros seis meses de guerra, mais de 1,3 milhões de pessoas foram presas na Europa. As condições de higiene eram péssimas e a comida era escassa nos acampamentos – ironicamente, porque navios carregando alimentos eram bloqueados pelas nações inimigas, ou seja, as nações dos próprios prisioneiros.

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